sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Paradigma da solidão

Era o último dia do ano, os fogos cintilavam no céu e eu estava só. Só por dentro, de uma forma que eu já havia me sentido antes, mas que não tinha dado a devida importância. Contudo, dessa vez foi mais estranho. Estava rodeado de amigos, pessoas queridas, e ainda assim, era como se estivesse sem ninguém. Dei-me conta então de uma forma de preencher aquele vazio, talvez funcionasse. Saí andando sem falar, sem dar satisfações. Andei alguns metros a beira-mar, rodeado de pessoas vestindo branco, desejando bons votos pro ano que se iniciava. Não conhecia viva alma naquele local, só os amigos que permaneciam a alguma distância, no meu ponto de partida. Andei, andei e andei, por fim o vazio por dentro se preencheu. A praia já estava deserta, mas não me sentia só, nem oco. Pelo contrário, me sentia cheio e familiar. Estava comigo. Tinha encontrado minha mais importante companhia. Fiquei concentrado no ano que se iniciava, sem precisar me manter agradável, risonho e falante, sem me importar com trabalho, estudos, ou qualquer outra preocupação mundana. O ar se tornou mais leve, o cheiro do mar mais suave e a areia era como veludo roçando meus pés descalços. Sentei perto das marolas e apreciei o ir e vir das ondas. Então compartilhei comigo mesmo aquele momento de plenitude: “estou vivo”, pensei. Passei alguns minutos naquele estado de transe, até me dar conta que já era suficiente. Levantei com as mãos apoiadas na terra úmida e vi, ao longe, as luzes das barracas anunciando a aglomeração de gente. Bom, era hora de voltar pra solidão.

sábado, 7 de novembro de 2009

Preguiça baiana segundo Nizan Guanaes.

Entre preguiça, trabalho e festa, a verdade é uma só: baiano é tudo (ar)retado.

"Não gosto quando se referem à Baianidade com o estereótipo da preguiça. Da falta de sofisticação. Pierre Verger fotografou a Bahia, e os corpos que ele retratou são peitos, troncos e bundas enrijecidas pela história e pela vida dura.

São homens açoitados pela escravidão. A Bahia é graça, prazer, leveza, mas ela é também luta. O Brasil ficou independente com um grito em 1822. A Bahia teve que lutar, morrer e vencer para expulsar de vez os portugueses em 2 de julho de 1823.

Castro Alves, o maior poeta brasileiro, morreu aos 24 anos, deixando uma obra imensa. Ou seja, trabalhou muito para deixar tanto em um tempo tão curto de sua existência.

Todos os anos o povo da Bahia anda 12 quilômetros com potes de água na cabeça para lavar as escadarias de nosso pai, Oxalá.

No Carnaval baiano, enquanto milhões se divertem, milhares trabalham dia e noite cantando, tocando, vendendo, para que o nosso povo e gente de todo o mundo possam se divertir.

Além disso, quem construiu todas aquelas igrejas, aqueles fortes, monumentos? Nós. Quem colocou cada pedra no Pelourinho? Nós. Quem foi açoitado no tronco que deu ao Pelourinho seu nome? Nós.

Quem escreveu músicas, filmes, encenou, pintou, esculpiu parte significativa da produção artística deste país? Ano após ano, década após década? Nós, os baianos.

Joana Angélica, Maria Quitéria são ruas no Rio de Janeiro, mas na Bahia são sofrimento, luta e heroísmo.

A Bahia é luta, mas ela compreende que a vida não é só isso. E não é.

E é por isso que essa tal Baianidade atrai em todas as férias e feriados estressados de todo o mundo.

Na costa da Bahia, o melhor conjunto de resorts do Brasil foi construído para que você possa experimentar o melhor da vida, e a gente trabalha enquanto você descansa.

O reitor Edgard Santos, baiano de boa cepa, fez uma das significativas obras de produção acadêmica e cultural, com contundente dedicação.

Lamento que a Bahia seja tão amada, tão exaltada e tão pouco compreendida.

Todos aqueles coqueiros e boa parte das frutas e especiarias que a Bahia tem não nasceram ali: vieram de outras índias e foram plantados pelas mãos calejadas do povo da Bahia.

Mas o mundo é de percepção. E, lamentavelmente, as novas gerações, por incompetência nossa, herdaram a parte mais vulgar, mais inculta, mais básica e folclórica desta Baianidade.

Cabe a nós, os velhos, passarmos pela tradição oral, que é de fato Baianidade.

E lembrar a quem dança na Bahia que, enquanto ele dança, alguém toca. Que enquanto ele reza, alguém constrói igrejas.

Ou seja, na Bahia o trabalho é voltado para o lazer e encantamento do mundo.

E toda vez que você chegar estressado e branco e sair moreno e feliz, chegar descrente e sair otimista e apaixonado, nosso trabalho, nosso papel no mundo estará sendo cumprido.

Baianidade é enfrentar a dura vida de uma maneira que ela pareça menos dura e mais vida.

E para que exerçamos a plena Baianidade, é preciso que entendamos plenamente do que é que somos orgulhosos.

Sou orgulhoso da Bahia mãe de Menininha, Cleusa, Carmem, Stella, do grande Obarain e de Padre Sadock, Padre Luna e Irmã Dulce.

Sou orgulhoso de Gil, Caetano, Bethânia, Gal, de Jorge, meu amigo amado.

Sou orgulhoso de Caribé, Verger, Lícia Fábio, que não nasceram na Bahia, mas a Bahia nasceu deles.

Sou, enfim, orgulhoso dos filhos da Bahia. E por isso sou tão orgulhoso do Brasil.

O Brasil é o maior filho da Bahia. Ele nasceu lá no dia 22 de Abril de 1500 e é por isso que os brasileiros ficam tão felizes quando vão à Bahia. Porque eles estão, na realidade, visitando os parentes, revendo suas raízes.

Baianidade é enfim o DNA do Brasil, é o genoma do país"

sábado, 31 de outubro de 2009

Ora, bolas.

Chego e sento-me. De ínicio tento alguma aproximação: "- Como vai? Passou bem a semana?" A resposta é seca: " - Sim, foi tudo bem." Após um pequeno intervalo, a recíproca: " - E você, como vai?" Me animo. De certa forma, ela se mostrara aberta à um bate-papo, conversas e, quem sabe, confidências. Me preparo para ser o centro, como sempre gostei. Me satisfaço com o interesse em mim, o cruzar suave das mãos em minha intenção e o olhar penetrante, daquele que perfura a pele e alcança o canto mais esquecido da alma. Olho no olho, palavra por palavra. Por vezes tento reverter o quadro e percustrar o castanho lívido dos seus olhos. Procuro saber o que ela esconde por detrás dos cachos de amêndoas, o que pensa quando fora e dentro daquela sala. Cruzo as mãos e assumo uma postura freudiana. Rebato as perguntas, tento vencer suas questões com argumentos sensatos. A empresa é em vão. Aquela postura impávida, forte e segura é inabálavel. Repele qualquer tentativa de intimidade e derruba por terra, com uma sapiência admirável, minhas argumentações infudadas. Apaziguo minha atitude com a teoria dos vícios familiares. A curiosidade e o forte senso autoritário herdado dos Sampaio junto com o empreendedorismo orgulhoso dos Dantas me deixaram assim: questionador, altivo e soberbo. Nem ela precisaria me dizer isso. Eu mesmo percebo e desarmo todas tentativas de auto-afirmação. Assumo um estado neutro, e encaro a relação como ela é: profissional. O analisado sou eu e ela a analisante. Ela deve saber o que está fazendo, ora bolas. E sabe mesmo. Sacode minha cabeça, revira os pensamentos e descobre mágoas tão magoadas que tinham descansado num estado de latência, num canto qualquer da mente. Nos encontramos duas vezes na semana. Nesse meio tempo, ela vive em mim. Sua voz permeia as idéias, como que uma nova consciência. A única frustração é não conseguir transpôr a parede que ela mesma criara contra pessoas como eu, com os vícios dos Sampaio Dantas. Pesa-me a idéia dessa mulher ter minha vida consigo e eu nada saber sobre a dita-cuja, a não ser que enxerga por pulipas cor de mel e tem os fios de cabelo extraídos da mais fina das amendôeiras.

sábado, 5 de setembro de 2009

Queria dizer em palavras o que sou. Não dá. De tanto ser, me perco. As palavras fogem, quando tento entrelaçá-las. Caço, caço, não as acho. Derramam em sentidos. No toque da escrita, no falar desenfreado. Sem ordem, desconexas. Só que das mais simples a gente tira algum significado. O que é que eu sou? Um D de Dantas, um T de Thiago. O resto é detalhe e passado.

sábado, 22 de agosto de 2009

Mudança

Eu não quero dar por nenhuma mudança.
Quero permanecer intacto, sem ter de me adaptar.
Não quero o novo, quero o antigo
Roda, gira, sem parar

Roda, gira e para
o retrato ganha uma alma que já não tem
Salta da moldura
espera a antiga alma, mas ela não vem

A mudança demora
Pode ser incerta, como o próximo instante
Ela vem, mas não acerta
Ah, se pudesse ser como era antes!

Sobre alfaites, costuras e remendos.

Eu nunca havia acreditado em trapaças da vida. Sempre tive a convicção de que quando queremos algo, o universo conspira pra dar certo. E ele realmente conspira, mas às vezes tenta fazer do jeito dele algo que deveria ser, por arbítrio, de outro jeito. Do meu jeito, do seu jeito. Do jeito que queríamos que fosse. E quando não o é, a mente fica inquieta tentando entender uma lógica que pudesse trazer qualquer explicação. A mente pensa, atrai, destrai. Procura perceber sinais, fazer comparações e inferências de acontecimentos isolados. Trazer à tona qualquer tipo de conectividade entre as partes. Dar um sentido; entender. Entender o porquê dos acidentes, o porquê das escolhas erradas, o porquê da ida de pessoas queridas e o porquê de tantas outras coisas que não tem porquê. As coisas acontecem e pronto. Legal seria compreender tudo pra poder consertar erros passados. Como num atelier de costura. Quando o alfaiate percebe qualquer falha em seu trabalho, ele entende e volta. Com uma boa agulhada, remenda as falhas da costura e pronto. Apaga-se o erro. Ele pode até saber que errou, que antes havia no tecido um buraco imenso, mas só ele vai saber. E, com o remendo sucessivo de outras falhas, esse buraco imenso passa despercebido até pelo próprio alfaiate. Contudo, nem todos somos alfaiates excepecionais e nem sempre temos as melhores agulhas. O tecido de alguns esburaca e fica lá, exposto pra todos. É por isso que o universo toma as rédeas e faz da maneira dele; direciona a gente pro não - entendimento mais nobre: a fé,de todos os jeitos.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Horário (Pol) Étilico

Uma hora de entretenimento perdida, 50 mil candidatos com um minuto de plataforma e musiquinhas que grudam na cabeça. Horário Político: o terror dos alienados. É sempre a mesma coisa a cada 4 anos. Correria partidária, muros pichados e caminhadas que engarrafam todo trânsito. Um programa que teria o sentido de esclarecer aparece com o efeito justamente contrário: confudir. Não dá mais pra saber as propostas dos candidatos. Não é mais esse o foco do horário político. Agora o que rola é picuinha. Tá tudo saindo debaixo do tapete. Pode escancarar, não tem problema! A população tem o direito de saber o quanto os futuros prefeitos já fizeram ( e podem fazer). Mas quem traiu quem, quem falou mal de quem, faça-me o favor, eu não preciso saber! Ninguém precisa. Já vira coisa pessoal. "Ahhh, não sei quemzinho não me apoiou na hora que eu mais precisei". E daí? É com você e ele, seu prefeito. Político tem mania de achar que a população tem que tomar as dores das safadezas que sofre. Já não basta as dores do dia-a-dia, ainda tem essa: personificação política. Todo mundo tem que tomar as dores do candidato, escolher um lado e lutar pelo "bem universal". Se não der certo, não tem problema. Damos uma surra! Pode vim qualquer um, até o presidente. A gente dá uma SURRAA!!!!. É quebra-pau, mano-a-mano. Isso quando não procuram uma forma de tirar a credibilidade do outro candidato. A maioria das propagandas eleitorais aparece justamente com esse intento. Uma delas mostra uma entrevista de emprego ficticia. Na entrevista, um empresário ( que não retrata em nada o perfil da população soteropolitana) pergunta pro aspira ( calvo, camisa listrada, parecidíssimo com um forte candidato à prefeitura. Pura coincidência.) qual é o seu currículo, suas habilidades. Aí o cidadão prontamente responde: "- sou amigo do presidente". O empresário insiste: " - o que você já fez?" e, mais uma vez, o coitado responde: " - sou amigo do presidente." Depois de inúmeros "sou amigo do presidente", o locutor deixa entender que o tal candidado não fez nada. Uma visão mesquinha, simplista e superficial. Tudo bem que o candidato é um puta puxa saco do Lula. Mas, que seja. Bom pra ele. Nesse come-come, ser amigo do presidente é que nem comer a Angelina Jolie numa jacuzzi por 48 horas sem parar. Já é uma vantagem. O que não dá é compactuar com esse ambiente de hipocrisia e traíragem. Ser alienado, nesse clima, é quase uma dádiva. Pelo menos, não acontece a tal personificação política. Se conserva um tanto de humanidade. Sem selvagerismo. Nem surras.